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A balança comercial de ameaças à biodiversidade

Imagem: Mater Natura

Se os brasileiros importassem casacos feitos de pele de panda, certamente estaríamos contribuindo para a extinção desse simpático urso chinês. Do mesmo modo, se os chineses usassem casacos de mico-leão-dourado, seriam acusados de contribuir para a destruição da biodiversidade brasileira. Imagine que a balança comercial entre China e Brasil se restringisse a esses dois produtos: poderíamos dizer que a balança comercial de ameaças à biodiversidade entre os dois países estaria equilibrada.

Mas o comércio entre Brasil e China não é tão simples: exportamos soja, frango, madeira e minério. Importamos roupas e centenas de outros produtos industriais. Ao produzirmos tudo o que exportamos para a China, contribuímos para a extinção de espécies da Amazônia e do Cerrado. Por sua vez, ao produzir tudo o que nos vendem, os chineses poluem seus rios e também destroem parte da sua biodiversidade. Será possível calcular a balança comercial de ameaças à biodiversidade entre Brasil e China? Qual seria o valor líquido dessa balança? Estaríamos importando três ameaças a espécies chinesas e exportando cinco ameaças a espécies brasileiras?

Parece conversa de louco, mas cientistas publicaram um estudo (International trade drives biodiversity threats in developing nations) no dia 7 de junho no periódico científico “Nature”, contendo o mapeamento do impacto do comércio internacional sobre o risco de extinção de espécies ameaçadas. Não é tão complicado. Os cientistas selecionaram 6.964 espécies listadas por órgãos internacionais como ameaçadas de extinção em 187 países. Em seguida fizeram um levantamento das 166 atividades humanas que ameaçam essas espécies (por exemplo, desmatamento e poluição). Para cada uma das espécies, eles identificaram quais das atividades humanas contribuíam para a extinção de cada espécie em cada um dos países. Isso gerou um banco de dados com 171.825 combinações de espécies, países e atividades econômicas (exemplo: no Brasil, o mico-leão-dourado é ameaçado pela destruição da Mata Atlântica para a produção de frutas).

Esse primeiro banco de dados foi integrado a um segundo, com 15.909 tipos de transações comerciais, tanto internas quanto entre países (exemplo: exportações de frutas do Brasil, importação de carros da China).

Cruzando estes dois bancos de dados, é possível identificar o fluxo comercial responsável pela ameaça a cada uma das espécies. Examinando o exemplo de Madagascar, fica fácil entender o tipo de resultado desse estudo. Lá existem 359 espécies em risco de extinção. Metade da culpa por esse risco vem de atividades econômicas que geram produtos consumidos dentro do próprio país; 25% da culpa recai sobre produtos exportados para a União Europeia e 25% para a China. O restante da culpa é dividida entre Japão e EUA.

Com base nesses dados, é possível descobrir que alguns países, no balanço final, são “importadores” de extinção de espécies, ou seja, as mercadorias que importam causam mais ameaças no restante do mundo que as mercadorias que eles exportam causam em suas espécies. Exemplos desse grupo são EUA, Japão, Coreia do Sul e Canadá. Outros países são “exportadores” de extinção, ou seja, as mercadorias que exportam causam mais estragos em casa do que o estrago feito no restante do mundo pelas mercadorias que eles importam. É o caso de Madagascar, Tailândia e Indonésia.

O que surpreende é o caso do Brasil, pois a princípio se imagina que somos um “exportador” de extinção, pois destruímos a Floresta Amazônica para produzir carne e grãos, exportamos madeira e minerais e importamos muitos produtos industrializados. O estudo indica que o Brasil tem 356 espécies entre as estudadas. A maioria delas é impactada principalmente por atividades econômicas que suprem nosso mercado doméstico. Somente 35 delas estão sob ameaça por atividades de exportação, para países como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Argentina e China. Por outro lado, as atividades de importação brasileira ameaçam 76 espécies de fora do país, vindas de Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Bolívia, entre outros. Assim, apesar de nossa imensa biodiversidade, nossa balança comercial de ameaças à biodiversidade é mais parecida com a de um país europeu do que com a de um país agrícola do Sudeste Asiático.

“Ficamos muito surpresos com o tamanho do efeito de nossos estudos. Muitos de nossos vizinhos (Papua Nova Guiné em relação a Austrália; e Honduras para a América Latina) possuem até 60% de suas espécies ameaçadas devido ao comércio internacional”, afirmou Barney Fornan, um dos autores do estudo, da Universidade de Sidney, na Austrália. De modo global, o estudo conclui que esta relação é de 30%, excluídas as espécies invasoras.

Um exemplo encontrado foi o do macaco aranha (foto) que está perdendo seu habitat por causa da plantação de café e cacau no México e na América Central. A análise mostrou também que Estados Unidos, União Europeia e Japão são os principais destinos das mercadorias que estão relacionadas à perda de biodiversidade.

É claro que esse trabalho é preliminar e os autores listam extensivamente os potenciais problemas e dificuldades de um estudo tão abrangente como esse, mas o interessante é que pela primeira vez foi mapeada, em escala global, a responsabilidade dos produtos que circulam nas rotas do comércio internacional pela destruição da biodiversidade do planeta.

Estudos como este serão aperfeiçoados e se tornarão instrumentos importantes na divisão, entre os países, da responsabilidade pela destruição da biodiversidade. Também ajudarão na discussão de quem deve pagar a conta associada à preservação da biodiversidade.

 

Fonte: Mater Natura

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