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A necessidade urgente de mais investimentos em ciência, educação e saúde na Amazônia

Artigo do professor Claudio Guedes Salgado, da Universidade Federal do Pará, enviado pelo ao autor ao Jornal da Ciência Email.

Aqui estou eu em Oriximiná, Oeste do estado do Pará, no escritório da casa do meu amigo Domingos Wanderley Picanço Diniz, após a vista para o rio Trombetas desaparecer com o início da noite, com uma conexão lenta (não, eu não estou falando de 300K, estou falando lentidão tipo conexão discada, se é que vocês ainda lembram o que é isso), buscando inspiração para escrever um artigo sobre o que vi por aqui durante um trabalho de campo com hanseníase esta semana, quando recebi a edição 4261 do Jornal da Ciência, com duas matérias conflitantes, mas apropriadamente complementares.

 

A primeira com a ONU criticando o modelo de gestão das unidades de conservação do Brasil, dizendo que ficamos atrás de países mais pobres e menores nos quesitos funcionários e orçamentos por hectare, publicada no Correio Braziliense. Temos menos funcionários, e menos orçamento que outros países mais pobres!

 

A segunda, assinada pela assessoria de comunicação do Ministério da Ciência e Tecnologia, descrevendo as ações que estão sendo empreendidas para o combate ao desmatamento na Amazônia, que incluem satélites, avaliações, relatórios e reuniões semanais, além da instalação de um gabinete de crise e do deslocamento de mais agentes de fiscalização a locais com maior desmatamento, como foi o caso de 480 Km² desmatados no Mato Grosso durante os meses de março e abril, considerado atípico.

 

Como sou apenas médico, nascido, criado e vivido em Belém do Pará, não vou me ater a fazer considerações mais profundas sobre o assunto, pois seria inconseqüente de minha parte. Mas preciso dizer que 593 Km² de desmatamento na Amazônia em dois meses é muito! Nós, brasileiros, precisamos apenas de 20 meses para desmatar 5% do território de Portugal. Agora lembrei de uma propaganda do rúgbi no Brasil, dizendo que enquanto a Argentina está “estagnada”, a nossa situação melhora em um percentual enorme. Claro, o nosso pais vizinho tem a melhor seleção destas bandas do planeta, e não há como subir no ranking. Temos que começar a medir no positivo, desmatamos 593 Km², e não no negativo, dizendo que diminuiu alguns pontos percentuais em relação ao mesmo mês do ano passado, ou coisa que o valha, como se faz com a inflação ou com a bolsa de valores, que não são bens finitos, como é a Amazônia, pelo menos na atual situação. A noção de uma Amazônia sustentável ainda é apenas uma noção.

 

Mas voltemos a hanseníase. Contando com todo o apoio do município de Oriximiná, e do campus em transição da Universidade Federal do Pará (UFPA) para a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), coordenado pelo professor Domingos Diniz, que citei acima, voltamos a este município 18 meses após termos vindo aqui, eu e uma equipe de mais sete pesquisadores, por um projeto financiado pelo último edital de doenças negligenciadas do CNPq, quando visitamos escolas e casas de pacientes, coletando plasma para analisar a presença de anticorpos IgM anti-PGL-1, um glicolipídeo velho conhecido daqueles que trabalham com hanseníase, e que tem uma correlação com a baciloscopia do raspado dérmico, ou seja, quanto mais bacilos o sujeito tem, maior é a titulação desta IgM.

 

Para a nossa surpresa, encontramos 45% da população clinicamente saudável positiva para estes anticorpos, indicando uma disseminação maciça do bacilo na comunidade. Vejam que isto, a princípio não significa doença, e sim contato com o bacilo. Pois bem, voltamos agora ao município e fomos examinar estas pessoas. Como manda o manual, fizemos dois grupos, um de positivos e outro de negativos. Encontramos 26 (vinte e seis!) casos novos entre escolares e comunicantes de indivíduos positivos, e somente 4 (quatro) entre os negativos.

 

A Região Oeste do Pará sempre foi considerada de baixa endemicidade, com poucos casos. Por isso mesmo nós começamos o projeto por aqui. Chegamos no município com 2 (dois) casos multibacilares registrados no sistema de notificação (Sinam), e estamos saindo com 32, um aumento de 15x nos números oficiais. Custa-me acreditar que os municípios vizinhos, Amazônicos, fronteiriços ou não, tenham números diferentes. Na realidade, já temos números piores em outros municípios do Estado do Pará. Mesmo como uma estrutura razoável de saúde, faltam médicos e todos os outros profissionais de saúde, como nos outros municípios da Amazônia.

 

Temos um bom sistema de saúde na Amazônia? Temos boas faculdades e universidades no Brasil, formando profissionais capacitados para trabalhar na Amazônia? Dizem que para a quantidade de brasileiros que temos hoje, já formamos médicos em número suficiente… Que percentagem destes médicos recém-formados é estimulada a trabalhar na Amazônia? O país está penso, e cabe ao poder público balancear o sistema! Isso para não entrar no mérito da qualidade do serviço.

 

Não precisamos de um gabinete de crise, relatórios infindáveis e reuniões intermináveis para enxergar o óbvio. Os problemas são os mesmos, há séculos! Carlos Chagas e Oswaldo Cruz escreveram muito bem sobre esta situação. Temos que agir, com urgência, na floresta e no homem que vive por aqui.

 

Defendi em reunião do comitê Ciências Biológicas II da Capes no ano de 2010, entre outras medidas, bolsas perenes, de longa duração, associadas a fomento por 10 anos para aqueles que se disponham a trabalhar com ciência e educação na Amazônia.

 

Agindo desta forma, a fixação de mão de obra qualificada pode ser acelerada. Mesmo nossos alunos de Belém têm dificuldade para decidir em ir para o interior, e lá seguir carreira. Há muito receio do isolamento e da falta de fomento.

 

Nesse sentido, esta cidade nos ensina. Temos aqui mais de 300 bolsistas Pibic junior da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), funcionando em um sistema inédito de tutoria com os alunos do curso de biologia, que se reportam a professores que vêm de Belém, Santarém, Manaus ou outras cidades, pendurados em apenas – pasmem – dois professores efetivos, do quadro da instituição, em um programa conhecido como PAI – Programa de Ação Interdisciplinar. Aliás, este programa foi visto de perto pela professora Helena Nader, atual presidente da SBPC, quando aqui esteve na SBPC regional de 2008. A manutenção do programa, a formação de novas turmas de biólogos para um sistema que está precisando deles, a abertura de novas vagas docentes e o fortalecimento deste campus podem mudar o perfil deste município em menos de 10 anos, e servir como modelo para outros municípios desta vasta região brasileira.

 

Claudio Guedes Salgado é professor da Universidade Federal do Pará, coordenador do Laboratório de Dermato-Imunologia e do Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Biologia Celular do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA.

Fonte: Jornal da Ciência

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