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Debate sobre novo Código Florestal racha Senado

Audiência pública reuniu 11 comissões no Congresso

Em confronto aberto no plenário do Senado, ambientalistas e ruralistas travaram ontem mais um duro embate na disputa política causada pela proposta de reforma do Código Florestal Brasileiro. Em inédita audiência pública conjunta de 11 comissões do Senado, houve guerra de números, pesquisas e versões. Da tribuna, senadores trocaram acusações e as “torcidas” dos dois lados se manifestaram livremente com vaias e aplausos nas galerias da Casa.

Os ruralistas pretendem mudar o código para reduzir percentuais de conservação obrigatória (reserva legal), permitir a recomposição florestal com espécies exóticas “comerciais” em outras bacias hidrográficas ou Estados, além de garantir financiamento para recuperação de áreas degradadas e pagamento por manter a floresta em pé (serviços ambientais).

Já os ambientalistas resistem a qualquer mudança, não querem “anistia” para quem destruiu a floresta, mas admitem subsídios oficiais a quem preservar as áreas protegidas.

No plenário, os embates foram duros. A senadora Kátia Abreu (DEM-TO) afirmou que queria “pautar a discussão pela ciência”, mas não admitia “leis que não possam ser cumpridas” pelos cerca de 5 milhões de produtores rurais do país. Segundo disse, “a lei atual não foi votada por nós, pois é uma medida provisória de 2001”.

Também presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), a senadora defendeu que o percentual de proteção exigido por lei seja calculado sobre a cobertura vegetal existente e não sobre a totalidade de cada propriedade. E apelou para que os Estados pudessem legislar sobre questões ambientais.

Em resposta, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) rejeitou as pressões da bancada ruralista e pediu cautela nas mudanças no código. “Não haverá rolo compressor nessa matéria porque a sociedade vai reagir”, disse. Ele pediu um “compromisso” dos ruralistas para evitar novos desmatamentos. “Queremos esse compromisso, mas sem atropelar o Congresso”.

No mesmo tom, a senadora Marina Silva (PT-AC) acusou os produtores de praticarem uma “forma errada de agricultura” e ironizou que os “desenvolvimentistas” agora peçam alternativas aos ambientalistas. “Temos que pensar naqueles que ainda não nasceram, e não apenas em nossos filhos e netos. O lucro de algumas décadas não pode ser mais importante do que nosso futuro”, afirmou a ex-ministra.

O cenário estava desenhado para debater um polêmico estudo assinado pelo chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, o pesquisador Evaristo Miranda. O trabalho afirmava que “apenas” 29% do território brasileiro estaria livre para a atividade agropecuária – ou 245,5 milhões de hectares.

O Ministério do Meio Ambiente apostou na “desconstrução” da pesquisa ao inverter o raciocínio e apontar que as restrições de uso da terra atingem “somente” 22% do território nacional. Assim, estariam disponíveis 300 milhões de hectares à atividade produtiva, apontou o assessor especial para Clima e Florestas, Tasso Azevedo.

Entre as duas estimativas, há uma diferença significativa de 55 milhões de hectares. Outro estudo preliminar, apresentado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) aos senadores, afirma que haveria entre 306 milhões e 366 milhões de hectares que estariam aptos à agropecuária.

A diferença está na forma de cálculo. Para a Embrapa, estão excluídas das estimativas as áreas de unidades de conservação de uso sustentável e as terras indígenas.

O Ministério do Meio Ambiente e o Ipam, ao contrário, consideram as duas categorias como de “uso intensivo” permitido para atividades produtivas. Há divergências nos cálculos de reserva legal exigidas pelo Código Florestal, segundo as diferentes regiões do país, e das áreas de preservação permanente (APPs), que devem ser mantidas em beiras de rio e topos de morro.
(Mauro Zanatta)
(Valor Econômico, 30/4)

Desenvolvimento com preservação

Durante a audiência no Senado, foi possível observar a posição unânime de que o país deve adotar uma postura de desenvolvimento econômico sem descuidar do meio ambiente. A diferença está na forma como isso será feito.

A senadora Kátia Abreu (DEM-TO), de quem partiu a idéia do debate, defendeu que os estados possam regulamentar aspectos particulares da legislação ambiental, ficando a cargo da União as linhas gerais.

Para a senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, qualquer mudança nas leis ambientais deve resultar da mediação entre as informações geradas pela ciência, os interesses da sociedade e a necessidade de assegurar o futuro “dos que ainda não nasceram”.

– O Congresso se insere nesse processo de mediação. Esse não é um debate entre meio ambiente e desenvolvimento, pois ambos são parte da mesma moeda – frisou, ao ressaltar que não se trata de buscar mecanismos para manter recursos naturais ou para favorecer o agronegócio e o desenvolvimento econômico.

De acordo com a senadora, a sociedade brasileira está consciente da necessidade de proteção dos recursos naturais. Ela citou pesquisa realizada pela DataFolha, na qual 90% dos entrevistados se posicionaram contra o desmatamento, mesmo que isso represente prejuízos à produção.

Ao elogiar os especialistas que se apresentaram durante a audiência pública, Marina ponderou que a ciência não representa “a última palavra”, sendo parte do conhecimento que é construído pela sociedade. Ela lembrou que verdades ditas no passado podem ser posteriormente negadas ou relativizadas, sendo necessário prudência para se tomar decisões que vão refletir no futuro do país e do planeta.

Pesquisadores sugerem alterações na lei

Primeiro debatedor a falar na audiência, Eduardo Evaristo de Miranda, doutor em Ecologia e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Monitoramento por Satélite, sugeriu mudança no Código Florestal para aumentar a área disponível para a agricultura no Brasil. Ele argumenta que as Áreas de Proteção Permanente (APPs) deveriam ser incluídas na contabilização da área de Reserva Legal exigidas nas propriedades rurais.

De acordo com o especialista, a medida faria com que os atuais 30% do território nacional destinados às atividades agropecuárias passassem para 41%, sendo esse um “valor confortável”, representando 3,5 milhões de quilômetros quadrados disponíveis.

No entanto, ele alerta para a necessidade de que sejam observando critérios de sustentabilidade na promoção de mudanças na legislação ambiental.

– O meio ambiente tem que estar a favor da agricultura e a agricultura a favor do meio ambiente. Não podemos premiar o desmatamento, mas aqueles que têm produtividade – afirmou.

Conforme explicou o especialista, qualquer modificação no Código Florestal brasileiro deve ser feita levando-se em conta as peculiaridades locais, razão pela qual avalia que as legislações e códigos estaduais estariam aptos a fazer tais modificações.

A delimitação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) conforme a largura dos rios, como previsto na legislação em vigor, foi criticada pelo pesquisador Gustavo Ribas Curcio, da Embrapa Florestas. Com a finalidade de harmonizar a proteção dos recursos naturais com as necessidades do agronegócio, o especialista defendeu que as leis ambientais tenham em conta as condições geológicas dos terrenos e não se apóiem no pressuposto de que as áreas “estejam colocadas sobre isopor”.

Gustavo Curcio disse, ainda, que a fragilidade em topos de morros é um conceito que precisa levar em consideração o aclive do terreno, dimensão do topo e, mais importante, a geologia da área. Tais aspectos, afirmou, são os responsáveis pela tensão ecológica em áreas de morros e devem condicionar a adoção de medidas de proteção, como o tamanho das áreas florestadas obrigatórias.

Ministro do STJ propõe simplificação do Código Florestal

Caso o Senado decida alterar o Código Florestal deve fazê-lo eliminando aspectos que não estão diretamente ligados ao agronegócio. A sugestão é do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Antonio Herman Benjamim.

O ministro propôs uma “purificação temática”, citando interesses que acabam “contaminando” a legislação.Ele deu o exemplo das reivindicações feitas por empreendimentos imobiliários que querem flexibilizar o Código Florestal, para aumentar a possibilidade de ocupação de ribanceiras e morros, legalizando construções perto de cidades.

Outro ponto citado por Herman Benjamin é a realização de estudos que se prestam a “interesses de grupos”. Ele disse que os números podem ser distorcidos para “sedimentar teses” a favor ou contra determinada posição.

O ministro também advertiu para a necessidade de proteger os pequenos proprietários, contemplando com tratamento diferenciado as cooperativas de pequenos produtores e buscando reduzir os custos da legalização das propriedades rurais, diminuindo as despesas de cartórios e de pareceres técnicos.

Frente Parlamentar da Agropecuária também defende mudança

A advogada socioambiental e consultora da Frente Parlamentar da Agropecuária, Samanta Pineda, disse que a entidade defende a elaboração de um código ambiental brasileiro e não apenas a reforma do Código Florestal.

Ela afirmou não ser possível continuar com a resistência dos ambientalistas em mudar a legislação do setor, que ela considera ultrapassada. Em sua avaliação, é preciso que a legislação avance, o que, como ressaltou, não significa “avançar pela mata”, mas promover uma atualização baseada em critérios técnicos e científicos. O que se discute, como ressaltou, é como se fazer agricultura sustentável com preservação do meio ambiente.

Pineda afirmou que as definições de Área de Proteção Permanente (APPs) e de Reserva Legal não podem ser consideradas como “dogmas”, mas como conceitos técnicos.

Riscos

Carlos Alberto Ricardo, representante da Organização Não Governamental Instituto Socioambiental (ISA) afirmou, na audiência pública destinada a discutir a legislação ambiental e seus efeitos sobre o agronegócio, que o Brasil estaria “patinando nas discussões estratégicas” e corre o risco de ficar para trás nas discussões acerca das mudanças climáticas no mundo.

Para o debatedor, a discussão deve ser inserida em um projeto mais amplo para o Brasil. Assinalou, porém que, desde a elaboração da Constituição de 1988, teria havido uma fragmentação nas discussões políticas a respeito de um projeto para o país.

– Sugiro que o debate se estenda para um âmbito um pouco maior, para que o Brasil assuma suas responsabilidades diferenciais no âmbito da América do Sul e do planeta – propôs.

Diminuição do desmatamento é essencial para conter o aquecimento global, afirma Tasso Azevedo

A diminuição do desmatamento é o que pode evitar aumento de temperatura do planeta, afirmou Tasso Azevedo, representante do Ministério do Meio Ambiente na audiência pública que reuniu 11 comissões do Senado para discutir o alcance da legislação ambiental para o agronegócio. Tasso Azevedo afirmou que qualquer mudança no Código Florestal deve ser feita com o objetivo de melhorar a proteção das florestas.

Na opinião de Tasso Azevedo é possível duplicar a produção agrícola diminuindo a área ocupada. Isso pode ser feito, segundo ele, com inovação tecnológica ou uso de técnicas já disponíveis.

Ele ressaltou que a agricultura deve se adaptar às limitações territoriais, enquanto o clima do planeta não pode ser estabilizado com a perda de florestas.
(Informações da Agência Senado)

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