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Brasil se torna o principal destino de agrotóxicos banidos no exterior

Apesar de prevista na legislação, o governo não leva adiante com rapidez a reavaliação desses produtos, etapa indispensável para restringir o uso ou retirá-los do mercado

Campeão mundial de uso de agrotóxicos, o Brasil se tornou nos últimos anos o principal destino de produtos banidos em outros países. Nas lavouras brasileiras são usados pelo menos dez produtos proscritos na União Europeia (UE), Estados Unidos e um deles até no Paraguai.

 

A informação é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com base em dados das Nações Unidas (ONU) e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

 

Apesar de prevista na legislação, o governo não leva adiante com rapidez a reavaliação desses produtos, etapa indispensável para restringir o uso ou retirá-los do mercado. Desde que, em 2000, foi criado na Anvisa o sistema de avaliação, quatro substâncias foram banidas. Em 2008, nova lista de reavaliação foi feita, mas, por divergências no governo, pressões políticas e ações na Justiça, pouco se avançou.

 

Até agora, dos 14 produtos que deveriam ser submetidos à avaliação, só houve uma decisão: a cihexatina, empregada na citrocultura, será banida a partir de 2011. Até lá, seu uso é permitido só no Estado de São Paulo.

 

Da lista de 2008, três produtos aguardam análise de comissão tripartite – formada pelo Istituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Ministério da Agricultura (Mapa) e Anvisa – para serem proibidos: acefato, metamidofós e endossulfam. Um item, o triclorfom, teve o pedido de cancelamento feito pelo produtor. Outro produto, o fosmete, terá o registro mantido, mas mediante restrições e cuidados adicionais.

 

Enquanto as decisões são proteladas, o uso de agrotóxicos sob suspeita de afetar a saúde aumenta. Um exemplo é o endossulfam, associado a problemas endócrinos. Dados da Secretaria de Comércio Exterior mostram que o país importou 1,84 mil tonelada do produto em 2008. Ano passado, saltou para 2,37 mil t.

 

“Estamos consumindo o lixo que outras nações rejeitam”, resume a coordenadora do Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológicas da Fundação Oswaldo Cruz, Rosany Bochner. Proibido na UE, China, Índia e no Paraguai, o metamidofós segue caminho semelhante.

 

O pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo lembra que esse padrão não é inédito. “Assistimos a fenômeno semelhante com o amianto. Com a redução do mercado internacional, os produtores aumentaram a pressão para aumentar as vendas no Brasil.” As táticas usadas são várias. “Pagamos por isso um preço invisível, que é o aumento do custo na área de saúde”, completa.

 

O coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Mapa, Luís Rangel, admite que produtos banidos em outros países e candidatos à revisão no Brasil têm aumento anormal de consumo entre produtores daqui. Para tentar contê-lo, deve ser editada uma instrução normativa fixando teto para importação de agrotóxicos sob suspeita. O limite seria criado segundo a média de consumo dos últimos anos. Exceções seriam analisadas caso a caso.

 

A lentidão na apreciação da lista começou com ações na Justiça, movidas pelas empresas de agrotóxicos e pelo sindicato das indústrias. Em uma delas, foram incluídos documentos em que o próprio Mapa posicionou-se contrariamente à restrição. Só depois que liminares foram suspensas, em 2009, as análises continuaram.

 

Empresas

 

Representantes das indústrias criticam o formato da reavaliação. O setor diz não haver critérios para a escolha dos produtos incluídos na lista. E criticam a Anvisa por falta de transparência. Para as indústrias, o material da Anvisa não traz informações técnicas.

 

A Associação Nacional de Defesa Vegetal critica as listas de riscos ligados ao uso de produtos, muitas vezes baseadas em estudos feitos em laboratório. “Não há como fazer estudos de risco em população expressiva. A cada dia, mais países baseiam suas decisões em estudos feitos em laboratórios”, rebate o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meireles.

 

Indústria ignora regras sanitárias

 

Além de importar produtos banidos em outros países, o Brasil abriga fábricas de agrotóxicos que apresentam um histórico de falhas na aplicação de regras sanitárias. Seis das sete indústrias vistoriadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entre julho de 2009 e maio deste ano, tiveram a linha de produção interditada e o material apreendido por irregularidades. Os problemas vão do uso de matéria-prima vencida a indícios de adulteração da fórmula registrada no país.

 

“Encontramos até adição de essências aromáticas”, conta o diretor da Anvisa, José Agenor Álvares. A tática é usada para camuflar o cheiro de veneno e, assim, tornar o produto mais tolerável para o agricultor e para a população que vive no entorno das fábricas. “Além de ser inusitada, a prática traz um risco a mais. Cheiro forte é uma forma de alerta sobre o tipo de produto que se está lidando”, completa.

 

As indústrias já analisadas têm cerca de 80% do mercado nacional. Foram apreendidas nas fiscalizações 9,06 milhões de toneladas de agrotóxicos suspeitos. Das unidades inspecionadas, só uma não teve a produção interditada. Mesmo assim, não se livrou da autuação por omissão de informações.

 

“Os indícios de irregularidades encontrados foram muito preocupantes. Havia um descompromisso com normas, algo que esperamos que seja corrigido”, avalia Álvares. A apreensão se justifica. “O produto envolve uma série de riscos para a saúde e o meio ambiente. Justamente por isso ele tem de ser acompanhado de perto”, diz o gerente geral de Toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles.

 

Ele conta que duas empresas pediram cancelamento de registro de um produto. “As adequações eram tão grandes para chegar à formula original que não valeria a pena (o investimento) para a empresa”, diz Meirelles.

 

Fórmula

 

A Anvisa começou a inspecionar indústrias de agrotóxicos em 2009, após formação de equipe especializada. Nas ações, os fiscais têm apoio da PF. Até então, a atividade era acompanhada por fiscalizações do Ministério da Agricultura.

 

Em nota, a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) afirma que não há regras para mudança do registro de componentes de defensivos agrícolas no país, o que impede a alteração formal. Justificativa que não convence autoridades. “É preciso que as empresas sigam à risca a fórmula indicada no registro. Só assim podemos acompanhar a segurança do produto”, diz o coordenador-geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel.

 

Agrotóxicos são a 4ª causa de intoxicação

 

Agrotóxicos ocupam o quarto lugar no ranking de intoxicações do país, atrás de medicamentos, acidentes com animais peçonhentos e produtos de limpeza (saneantes). Em 2007, foram registradas 6.260 casos provocados por agrotóxicos.

 

“As estatísticas identificam acidentes, intoxicações extremas. Não sabemos quantas pessoas adoecem pela exposição por meio do consumo de alimentos”, diz a coordenadora do Sistema Nacional de Informação Tóxico Farmacológicas da Fiocruz (Sinitox), Rosany Bochner.

 

Estudos em laboratório mostram o risco de algumas substâncias provocarem problemas hepáticos, doenças de pele, mais risco de câncer, problemas hormonais, neurológicos e reprodutivos.

 

“Temos de ser realistas, não podemos considerar agrotóxicos como veneno, eles têm importância para produção”, afirma o chefe do Laboratório Toxicológico da Escola Nacional de Saúde Pública, Sérgio Rabelo. Para ele, o problema não está no uso de todos os produtos, mas no emprego incorreto.

 

Uma análise feita desde 2001 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, batizada de Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), acompanha os níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos consumidos pela população. Além do abuso de defensivos, a pesquisa revela o emprego de produtos proibidos para algumas culturas.

 

Dados da última avaliação, feita em 2008, revelam, por exemplo, que 64,36% das amostras de pimentão analisadas apresentavam uso de defensivos proibidos para a cultura – entre eles, endossultam e acefato, que estão sendo agora reavaliados.

(Lígia Formenti)

(O Estado de SP, 30/5)

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