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Revisão do Código Florestal contribuirá para perda de biodiversidade e aquecimento global

A revista Science publicou novo alerta de cientistas indicando que a revisão do Código Florestal poderá levar a perdas irreversíveis na biodiversidade tropical. Se for aprovada em sua forma atual, a revisão do Código Florestal brasileiro, em votação no Congresso Nacional, poderá levar a perdas irreversíveis na biodiversidade tropical, alertam cientistas em carta publicada na edição atual da Science. Intitulada “Perda de biodiversidade sem volta”, a carta tem autoria de Fernanda Michalski, professora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá, Darren Norris, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.

Na carta, os pesquisadores apontam que as propriedades privadas correspondem a 39% do território brasileiro e representam um componente essencial para a conservação da biodiversidade florestal, à parte das áreas protegidas formalmente. Mas os “interesses de curto prazo de poderosos grupos econômicos, influentes proprietários de terra e políticos, ao diluir o Código Florestal, ignoram o valor das florestas privadas para a conservação”, segundo eles.

De acordo com Fernanda, a manifestação é um complemento à carta publicada na Science

no dia 16 de julho, por pesquisadores ligados ao Programa Biota-FAPESP, com o título “Legislação brasileira: retrocesso em velocidade máxima?”  Segundo ela, o objetivo foi colocar em evidência a modificação do código relacionada à redução de área das Áreas de Proteção Permanente (APP).

“A Science abre espaço para que possamos reforçar comentários feitos em edições anteriores. Quisemos fazer isso para enfatizar um pouco mais o problema diretamente ligado à redução das áreas de APP, que está sendo levantado na proposta de reforma do Código Florestal”, disse.

A carta enviada em julho pelos pesquisadores do Biota-FAPESP apontava que as novas regras do Código Florestal reduziriam a restauração obrigatória de vegetação nativa ilegalmente desmatada desde 1965. Com isso, as emissões de dióxido de carbono poderão aumentar substancialmente e, a partir de simples análises da relação espécies-área, “é possível prever a extinção de mais de 100 mil espécies, uma perda massiva que invalidará qualquer comprometimento com a conservação da biodiversidade”, segundo eles.

O texto foi assinado por Jean Paul Metzger, do Instituto de Biociências da USP, Thomas Lewinsohn, do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luciano Verdade e Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues, do Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, e Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp.

A carta publicada na última edição da revista científica norte-americana afirma que a reforma da legislação irá “efetivamente condenar remanescentes florestais e a rebrota em terras privadas no maior país tropical da Terra”.

Segundo Fernanda, o texto reforça uma questão levantada na manifestação anterior, relacionada a um possível aumento do “efeito de borda” – uma alteração na estrutura, na composição ou na abundância de espécies na parte marginal de um fragmento florestal que acaba tendo impactos sobre a fauna e flora de toda a região.

“O efeito de borda se manifesta à medida que a permeabilidade da matriz aumenta e cria uma série de efeitos adversos para a flora e para a fauna. Mas, além disso, nossas pesquisas revelaram um outro dado importante que merecia ser destacado: quando a área de proteção é reduzida a menos de 50 metros de cada lado da APP, o resultado é um aumento considerável na mortalidade das árvores”, afirmou.

Os cientistas brasileiros alertam que, com as modificações propostas na legislação, a redução das áreas de proteção deverá provocar mudanças nas características da paisagem que reduzirão a capacidade da floresta para reter e conectar espécies, ou para manter a qualidade dos corpos d’água. Segundo o texto, os proprietários rurais que cumprirem a nova legislação aumentarão a fragmentação da paisagem e reduzirão o valor das suas propriedades, por conta da erosão do solo e pela má regulação de captação de água nas bacias hidrográficas.

Outro estudo, divulgado no dia 23 de novembro pelo Observatório do Clima (rede que reune 36 ONGs ambientalistas e movimentos sociais, entre elas o Mater Natura), alerta para as consequências da aprovação das alterações no Código Florestal, propostas pelo deputado Aldo Rebelo e aprovadas em comissão especial da Câmara dos Deputados. Segundo o estudo, este fato pode representar a emissão de até 26 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa e comprometer a meta brasileira de reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões nacionais até 2020.

O estudo analisa os impactos de duas das principais propostas do novo código para os compromissos de redução de emissões assumidos internacionalmente pelo Brasil.

“Todo o esforço que o Brasil tem feito para reduzir emissões pode ser perdido se as mudanças no código forem aprovadas. O país tem se esforçado, transformou os compromissos que assumiu internacionalmente em lei, mas, paralelamente, o substitutivo pode causar impactos nessas metas”, avaliou o coordenador do Observatório do Clima, André Ferreti.

As organizações não governamentais calcularam o total de dióxido de carbono (CO2) equivalente (medida que considera todos os gases de efeito estufa) que poderá ser lançado na atmosfera com a redução das áreas de preservação permanente (APPs) em torno de rios e a isenção da reserva legal para pequenos proprietários.

A redução das APPs na margens de rios de 30 metros para 15 metros, prevista em um dos artigos do relatório de Aldo Rebelo, vai resultar em pelo menos 1,8 milhão de hectares a menos de áreas de vegetação nativa. Considerando que toda a área seja convertida em pastagem, as emissões serão de 571 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Mas os piores prejuízos virão mesmo da isenção de reserva legal para agricultura familiar e o desconto de até quatro módulos fiscais para o cálculo da reserva em médias e grandes propriedades. No melhor cenário, considerando que apenas 25% da reserva legal tenha sido desmatada, o total de emissões será da ordem de 6,2 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. Na pior das hipóteses, em que os pesquisadores consideraram que haveria desmatamento em 100% da área que deveria ser preservada, o total de emissões pode chegar a 25 bilhões de toneladas de CO2 equivalente.

Somadas as emissões da redução das APPs e das isenções para a reserva legal, as mudanças no código poderão resultar em 25,6 bilhões de toneladas de CO2 equivalente. O número é cerca de 15 vezes maior que o total estimado de emissões brasileiras em 2009, de 1,7 bilhão de toneladas, e que considera outros setores, não só o desmatamento.

“Além do carbono, também é preciso considerar outros impactos do novo código, como as perdas de biodiversidade e de disponibilidade de água. Florestas, além de carbono, prestam uma série de outros serviços ambientais”, acrescentou o superintendente de programas temáticos do WWF Brasil, Carlos Scaramuzza. Segundo ele, a aprovação do novo código pelo Congresso pode ser usada contra o Brasil na negociação internacional.

Aprovado em julho pela comissão especial, o texto precisa ir ao plenário da Câmara e passar pelo Senado antes de seguir para sanção presidencial. Apesar da pressão ruralista para que as regras sejam aprovadas ainda nesta legislatura, o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila, acredita que o debate ficará para o novo governo.

“O melhor cenário é um processo que comece do zero, principalmente para ouvir a comunidade científica. A presidente Dilma Rousseff garantiu, durante a campanha, que não aceitará fim de APP e reserva legal nem anistia para desmatadores. Podemos começar algo novo, com uma batuta mais equilibrada”, comparou. Os compromissos assumidos pela presidenta eleita foram protocolados por um grupo de ONGs no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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