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A invasão dos javalis

Atividade hoje proibida, o abate do javali começa a ser defendido como solução para um problema que já tira o sono de ambientalistas do Rio.

Em alerta enviado à Secretaria estadual do Ambiente, o engenheiro agrônomo Rafael Salerno, coordenador de um grupo de trabalho sobre o tema em Minas Gerais, ressalta a necessidade de uma ação imediata para controlar a proliferação destes mamíferos em unidades de conservação fluminenses. E lembra que o javali (Sus scrofa), invasor de origem europeia, já atacou pessoas e causou danos a plantações. Além disso, pode ser hospedeiro de doenças, colocando em risco espécies nativas.

 

O Globo apurou que já há registros de suídeos – animais resultados de cruzamentos, os “javaporcos” – no Noroeste Fluminense e na Região Serrana. Rafael Salerno ressalta que a discussão está inserida em um terreno bastante polêmico, por se tratar de um animal bem quisto aos olhos da maioria – e de alto valor comercial -, ao contrário de outros invasores, como ratazanas e caramujos africanos.

 

– Não posso ser contra a garantia de sobrevivência dos pequenos produtores. Mas estamos diante de um sério problema, que poderá se agravar de nenhuma atitude for tomada. O javali é considerado uma das 100 piores espécies invasoras – afirma o estudioso, em referência à lista do Invasive Species Specialist Group (ISSG). – A taxa de reprodução destes mamíferos é muito alta. Estima-se que a população dobre a cada seis meses. Apenas para manter o número atual, seria necessário abater 70% da população anualmente.

 

Além disso, com a população de onças cada vez mais reduzida, os javalis estão sem predadores.

 

APA de Friburgo tem mais de 600 javalis

A situação mais preocupante no estado é a da Área de Proteção Ambiental (APA) de Macaé de Cima, em Nova Friburgo. Um proprietário cria cerca de 600 javalis em uma fazenda dentro da unidade, o que é proibido por lei.

 

– Há um criadouro comercial que até hoje não apresentou a licença. O processo corre no Ibama e se arrasta há quase quatro anos. Em caso de fuga, podemos ter graves problemas – afirma o chefe da APA, Carlos Henrique Martins.

 

No Noroeste Fluminense, mais problemas. A secretária de Meio Ambiente de Porciúncula, Maria de Lourdes Alves de Souza, relata casos de destruição de cultivos.

 

– Os bichos estão acabando com as plantações. Os proprietários chegaram a fazer armadilhas, mas não conseguem controlar a proliferação. Para piorar, estão se misturando com porcos comuns, resultando em uma espécie bastante agressiva – diz ela.

 

Em 2005, o Ibama liberou, por instrução normativa, abate e captura dos javalis e porcos asselvajados no Rio Grande do Sul, estado com maior incidência da espécie no Brasil. Mas, ano passado, a decisão foi revogada. A argumentação: estudos mais aprofundados são necessários para se chegar a uma conclusão sobre a forma de controlar a praga.

 

– Não dá para entender esta postura do Ibama – critica Rafael Salerno. – Por que o órgão, sabendo que se trata de um animal exótico, invasor, proibiu o abate? Javali não é uma espécie de caça no Brasil. É um animal nocivo e precisa ser abatido.

 

O Ibama não retornou às ligações do Globo para comentar o assunto. Proprietário da Fazenda Palmira, no município de Serra Azul, interior de São Paulo, João Carlos Prada importou 44 animais – 40 fêmeas e quatro machos – da França em 1997, com a

anuência do Ministério da Agricultura. Um ano depois, o Ibama proibiu a abertura de novos criadouros. Ele defende a liberação do abate para controlar a população.

 

– Em todo o lugar do mundo o abate é autorizado, menos aqui – ressalta Prada, que vende carne de javali a amigos por R$ 10 o quilo. – Tem de haver um controle. Eu mesmo faço umas armadilhas de vez em quando. E, como não posso negociar os animais, deixo crescer, defumo e vendo carne defumada. Dá menos doença que o porco confinado – garante.

 

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra- RS) depõe contra a defesa de João Prada. “No Brasil, os mamíferos foram identificados como importantes reservatórios de Trypanossoma

evansi (responsável pela doença conhecida como mal de cadeiras) e Trypanossoma cruzi (agente etiológico da doença de Chagas), na região do Pantanal”, diz o texto.

 

Ataques fatais de javalis são um problema já registrado no Brasil. Em outubro do ano passado, um lavrador foi morto na região rural do município de Ibiá, a 329 quilômetros de Belo Horizonte (MG).

(O Globo)

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