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O Código Florestal e a Ciência

Artigo de Marcelino Pequeno publicado na Coluna Ciência Viva do jornal O Povo (5/6) e também enviado ao JCEmail.

Quem acompanhou as conturbadas últimas semanas políticas em Brasília está ciente que o mês de maio foi dominado pela votação do novo Código Florestal brasileiro, que acabou por ser aprovado na Câmara Federal na sessão do dia 24 de maio.

 

A polêmica está longe do fim, entretanto. Primeiro, porque agora o processo segue para o Senado que já sinalizou que vai requerer pelo menos quatro meses de discussão antes de o colocar em votação. Depois, porque ele não foi bem recebido nem pelo governo nem pela sociedade, e ainda arranhou a imagem do Brasil no contexto internacional no que diz respeito à capacidade de conservação de seus recursos naturais.

 

Em que a ciência pode contribuir para a elaboração do Código Florestal? O título desta coluna foi retirado de um documento de 124 páginas, em realidade um livro, organizado pelas duas maiores entidades científicas brasileiras: a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). O Grupo de Trabalho reuniu doze cientistas, e colaboradores, das mais diversas áreas, e ainda profissionais de diversas instituições: Embrapa, Inpe, Inpa, Ibama, Confea, Contag, Sbef, SBS, Abraflor e Rebraf, além do Ministério do Meio Ambiente e as universidades: Unicamp, UFRJ, UFRPE, UFV e USP (por questão de espaço deixo para o leitor a tarefa de decifrar esta sopa de letrinhas, o Google ajuda muito nesta hora). Pode-se dizer que a fina flor da ciência nacional esteve empenhada na elaboração do documento que foi entregue em abril para a sociedade. O leitor pode ter acesso à íntegra do texto no site da SBPC: http://sbpcnet.org.br/site/asbpc/livrogtflorestal.php.

 

Em que o Código aprovado desagradou aos cientistas? Pela falta de embasamento científico. Os cientistas reconhecem a necessidade de atualização do Código vigente que é de 1965 e refletiu os conhecimentos da época. Nestes 45 anos, a ciência progrediu muito e o mundo constatou a “finitude” dos recursos naturais.

 

Todos esperavam um Código mais rígido, e, principalmente, mais racional. O inverso se deu. As discussões se pautaram em posições retrógradas que contrapõem os interesses do agro-negócio ao meio ambiente, esquecendo que o estágio científico-tecnológico atual permite muitas vezes a conciliação deste antagonismo. A modernização tecnológica do ordenamento territorial é do interesse de ambas as partes.

 

Na discussão da Câmara Federal, a preservação das florestas foi vista como um estorvo, quando deve ser vista como uma vantagem competitiva brasileira. Afinal, qual outro país do mundo pode ter acesso à tão rica biodiversidade e recursos naturais hídricos e edafo-pedológicos que possibilitam os mais diversos usos da terra?

 

Inaceitável o argumento do relator, Aldo Rebelo, de não levar em conta a contribuição dos cientistas por esta ter chegado tarde demais. Se o Código está tramitando há mais de onze anos no Congresso, por que a pressa? Afinal, o novo Código decidirá o destino dos recursos naturais do país que se formam em uma escala de milhões de anos e podem ser depredados em décadas. Mais inaceitável ainda, sua afirmação, quando criticado sobre o teor do relatório aprovado, de que “parte dos pesquisadores são financiados por um ‘lobby ambientalista’ internacional”. Será que ele não atenta que ao levar a discussão para estes termos, se sujeita a ser alvo de ilações semelhantes muito mais verossímeis?

 

Os cientistas pediram que a discussão se prolongue por mais dois anos, talvez seja tempo demais. Parte deste tempo seria destinado para a elaboração de um detalhado mapeamento geomorfológico abrangendo todo o território nacional. Este mapeamento, além de embasar as decisões, estaria disponível pela internet, em uma espécie de ‘Google Earth’ agrário, de modo que todo agro-pecuarista pudesse conhecer as particularidades de sua terra, otimizando, assim, seu uso.

 

O Brasil não pode perder a oportunidade de ter um Código Florestal moderno, elaborado com a mais recente tecnologia disponível, e que sirva de referência para o mundo. O que foi aprovado já nasce defasado e representa um retrocesso.

 

Marcelino Pequeno é Secretário Regional da SBPC no Ceará.

Fonte: Jornal da Ciência

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