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Preservação já dá dinheiro a agricultores de três cidades

Benefício é concedido a produtor que mantém mananciais

Bettina Barros escreve para o “Valor Econômico”:

Produtores rurais de três municípios brasileiros já estão sendo pagos para manter vivas e saudáveis o que é considerado hoje um ativo tão precioso quanto rebanhos de gado e lavouras agrícolas: as suas nascentes de água.

Um grupo de 147 propriedades aderiu a essa iniciativa inédita no país – o conceito de pagamento por serviços ambientais, que recompensa financeiramente aqueles que preservarem matas estratégicas para a conservação da água.

Entre 2008 e 2009, proprietários rurais de Extrema (MG), Rio Claro (RJ) e Alfredo Chaves (ES) colocaram no bolso quantias mensais ou semestrais que variam de R$ 300 a R$ 3 mil, graças aos benefícios ecológicos por eles prestados.

Projetos similares despontam em Joanópolis e Nazaré Paulista (SP), São Paulo, Camboriú (SC), Apucarana (PR) e no Distrito Federal. A expectativa é de que, no futuro próximo, surja um novo profissional no agronegócio brasileiro: o “produtor de água”, premiado por uma commodity à altura de qualquer outra.

A lógica desse negócio parte do fato inequívoco de que é a propriedade rural o maior abastecedor de água para o país, irrigando não só o campo mas as áreas urbanas. Por esse motivo, se as nascentes continuarem a tendência de queda de vazão por práticas agrárias erradas – como já acontece – metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro irão simplesmente secar. Ruim para a agricultura, para a indústria e para o usuário comum (você).

“Só o comando e controle do desmatamento não funciona”, explica Paulo Henrique Pereira, o diretor de Meio Ambiente de Extrema que esboçou os primórdios do projeto “Conservador das Águas”, pontapé que tornou o município o primeiro a realizar o pagamento por serviços ambientais às propriedades mineiras.

Na prática, o projeto paga para que a legislação ambiental seja cumprida. O Código Florestal determina que nascentes, matas ciliares e mananciais sejam Áreas de Preservação Permanente, e que se mantenha 20% da propriedade com cobertura vegetal (Reserva Legal). “Recompensar economicamente foi uma necessidade. Só é possível fazer a reversão da degradação com apoio financeiro aos produtores”, diz Pereira.

Extrema é um município que, como tantos outros, sofre de dualismos: seu PIB é relativamente alto devido à presença de indústrias como Bauducco e Kopenhagen, mas a renda média per capita não chega sequer a dois salários mínimos. Essencialmente rural, o município rico em água acompanha gradativamente a queda de vazão, que colocou em alerta o poder público.

Quatro anos de investigação culminaram em um diagnóstico ambiental que dá a pista da origem do problema: apenas 22% das matas de Extrema estão de pé. O resto da Mata Atlântica desapareceu sob a colcha de pequenas propriedades onde o gado leiteiro predomina. A corrida agora é para saber o tamanho do prejuízo – o balanço hídrico atual da região.

“Vimos que era preciso trabalhar nossos mananciais”, diz Pereira, desde 1994 no cargo. E, assim, o governo local começou a se mexer.

Para dar viabilidade ao projeto, a Prefeitura de Extrema incluiu como prioridade em seu Plano Plurianual de 2005 um orçamento anual de R$ 150 mil para o pagamento pelos serviços ambientais a seus produtores. A decisão foi a base para a criação da lei 2.100/2005, que possibilitou o repasse de dinheiro público ao setor privado.

Com apoio técnico e de suprimentos de parceiros como a organização ambiental The Nature Conservancy (TNC) e o Instituto Estadual Florestal (IEF), Extrema foi dividida em sete sub-bacias do rio Jaguari, que corta a cidade. A ideia foi começar logo pelo mais difícil: restaurar a vegetação da sub-bacia mais degradada, Posses. São 1,3 mil hectares, 109 propriedades. “É uma área bastante fragmentada e com menos de 10% da cobertura vegetal”, diz o engenheiro agrônomo Aurélio Padovezi, da TNC.

A segunda fase do projeto, já iniciada, é na sub-bacia de Salto. Aqui, 13 proprietários já recebem dinheiro do projeto, perfazendo uma área de cerca de 550 hectares.

A lei estabelece pagamentos mensais aos produtores, que assinam um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Prefeitura. O pagamento é de 100 unidades fiscais (R$ 169) por hectare/ano e é baseado na área da propriedade. Cabe ao produtor abrir mão de atividades agrícolas em áreas de nascentes. E só. O projeto se encarrega de cercar as áreas, plantar mudas e monitorar. “O produtor não gasta nada. Só recebe”, afirma Padovezi.

“No campo, a gente já ganha minoria (sic). Sem apoio, é difícil”, diz Terezinha de Moraes Oliveira, de 56 anos. Ela e o marido, Benedito de Oliveira, 60, vivem das 30 cabeças de gado que dão até 50 litros de leite por dia. Tiram, em média, R$ 500 por mês. Por terem uma nascente na propriedade de 14 hectares, recebem de Extrema R$ 205. Quase metade da renda do casal.

Cobrança de água garante verba no Rio

O translúcido rio Piraí, que margeia o pequeno município de Rio Claro, na serra carioca, segue caudaloso até chegar ao Sistema Guandu, a principal fonte de abastecimento de água da região metropolitana do Rio de Janeiro.

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Piraí contribui com quase 20% da água levada ao sistema e por isso o Comitê da Bacia do Guandu – uma figura criada pela Lei Nacional de Recursos Hídricos, formada por representantes de governo, sociedade civil e usuários – é contemplado com R$ 3 milhões por ano pela cobrança do uso de água.

Ao contrário de Extrema, onde o orçamento municipal paga o produtor de água, é deste comitê que sai o pagamento por serviços ambientais instituído em Rio Claro, em 2008. O programa “Produtores de Água e Floresta” do município recebe, nesta primeira etapa, R$ 40 mil. O restante da verba vai para projetos de saneamento, mais que bem-vindos em um município que tem hoje somente 50% de coleta e zero de tratamento de esgoto.

No primeiro ano do projeto-piloto, 18 propriedades receberam a verba, totalizando pouco mais de R$ 17 mil pagos. Segundo o governo, há outros 28 produtores cadastrados. O potencial de abrangência do projeto, no entanto, é alto: apenas nesta microbacia existem 120 propriedades rurais aptas a participar, em uma área de 5 mil hectares. Na bacia inteira, que abrange mais 14 municípios, o escopo aumenta para mil proprietários em 300 mil hectares de terras.

“Todas as propriedades são georreferenciadas [mapeadas por satélite], o que ajudou a dar credibilidade ao projeto junto ao comitê”, afirma Fernando Veiga, coordenador de Serviços Ambientais da The Nature Conservancy (TNC), parceira da Prefeitura no projeto.

Com uma economia baseada na pecuária leiteira de baixa tecnificação, Rio Claro vê no pagamento por serviços ambientais uma alternativa interessante. O município, afinal, parece não ter muito para onde correr. “Pensar em trazer a indústria para cá, nem pensar. Estamos afastados do principal eixo viário do Estado e nossa topografia não ajuda porque é muito montanhosa. A saída de Rio Claro é essa, ser produtor de água e pecuária”, resume o prefeito Raul Machado.

Com contratos de quatro anos, os produtores rurais recebem parcelas semestrais que, segundo o governo, equivale ao que eles ganhariam caso optassem por arrendar a terra. “Nunca pagamos menos do que eles ganhariam de outra forma”, afirma o biólogo Gilberto Pereira, diretor técnico do Instituto Terra de Preservação Ambiental, outro parceiro de peso da Prefeitura. A Emater/RJ fez os cálculos: R$ 100 por hectare/ano para o arrendamento e R$ 200 por hectare/ano para a venda de leite.

Benedito Leite, 66 anos, e a esposa, Terezinha Leite, de 62, membros da única comunidade quilombola de Rio Claro, receberam R$ 2 mil no início do ano para que o governo cercasse suas nascentes para impedir a entrada do gado. O boi, eles aprenderam, pisoteia os cursos d’água até que se transformem em brejos e sequem.

“A gente não tinha na cabeça a necessidade de proteger a água”, dizem. A poucos quilômetros dali, Braz de Oliveira vê o retorno do projeto com o aumento da água. Uma de suas nascentes foi cercada e o gado, agora, só olha de fora. Um verdadeiro oásis no meio do pasto.

Municípios pioneiros abastecem áreas metropolitanas

Se é importante para a pequena Extrema, de 24 mil habitantes, a água que nasce ali é crucial para São Paulo. Grosso modo, um produtor rural de Extrema abastece cerca de 1.800 paulistanos.

Nada menos que 100% das águas de seu rio Jaguari desembocam no Sistema Cantareira, o maior sistema de abastecimento de água da América do Sul e fonte de 50% da água que chega às 9 milhões de pessoas da região metropolitana de São Paulo. “Se Minas Gerais tivesse mar, a água não chegaria até lá. Antes, seria desviada para São Paulo”, alfineta, humorado, Paulo Henrique Pereira, diretor de Meio Ambiente de Extrema.

Com sérios problemas de deficiência hídrica, São Paulo precisa dos 22 metros cúbicos por segundo de vazão média que vêm do Jaguari para atender à sua demanda.

Do mesmo modo, a importância do rio Piraí é vital para a região metropolitana do Rio de Janeiro, que inclui Nova Iguaçu e Niterói, uma mancha urbana de 8 milhões de pessoas. Assim como o Jaguari, o Piraí contribui com quase 20% da água levada ao Sistema Guandu.

“Está tudo pendurado nessas transposições de rios”, explica Décio Tubbs Filho, diretor-geral do Comitê da Bacia Guandu, sediado em Seropédica, no Rio de Janeiro.

A importância do pagamento aos produtores rurais de Extrema e Rio Claro que preservam seus mananciais, portanto, extrapola os limites de seus municípios. “Todos nos beneficiamos com isso”, afirma Fernando Veiga, coordenador de Serviços Ambientais da The Nature Conservancy (TNC).

Sem a manutenção das matas, a absorção da água da chuva nos lençóis subterrâneos é prejudicada, e as chances de erosão aumentam significativamente. E esse problema é especialmente grave no Brasil. Dados da Agência Nacional de Águas (ANA) mostram que as taxas de erosão no país estão entre 15 a 20 toneladas por hectare – 9 a 12 toneladas é o recomendado.

Pesa mais para o produtor, que perde área útil, e para o consumidor: o assoreamento leva mais sedimentos aos rios, o que aumenta o custo de tratamento da água.
(Valor Econômico, 25/6)

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