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Minc reclama de ministros para Lula, mas nega demissão

Ministro é denunciado por ruralistas à Comissão de Ética Pública

O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, fez ontem o mais duro ataque contra colegas do governo desde que assumiu o cargo há pouco mais de um ano. E também recebeu mais um golpe dos ruralistas, que resolveram denunciá-lo à Comissão de Ética Pública por “romper os limites da civilidade” ao chamar de “vigaristas” os parlamentares ligados ao agronegócio.

Depois de uma audiência com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Minc negou ter pedido demissão da Pasta ou que tivesse condicionado sua permanência a alguma posição do presidente.

Assegurou ter recebido apoio de Lula, mas não escondeu o desconforto diante da pressão dos colegas de ministério. “Completei um ano, servi lealmente ao presidente, resolvemos vários imbróglios, grandes licenças e vamos resolver várias outras. Mas uma série de questões está tirando a sustentabilidade ambiental e política do ministério”, disse.

Minc acusou outros ministros de descumprir acordos fechados com ele e de atuar de forma diferente quando projetos ambientais chegam ao Congresso. “Vários deles combinavam uma coisa aqui e depois iam no Parlamento, cada um com a sua ‘machadinha’, patrocinar emendas que esquartejavam e desfiguravam a legislação ambiental.”

Os ataques foram voltados não apenas ao seu principal inimigo – o “agronegócio” -, mas incluíram o Ministério de Minas e Energia, com as “pressões” para licenciamentos de hidrelétricas no rio Araguaia e térmicas a carvão, e o Ministério dos Transportes, com estudos para autorizar a licença ambiental como a BR- 319, que liga Porto Velho a Manaus. “Estão desfigurando projetos ambientais sobre estradas, licenciamento, sobre a questão da regularização fundiária, sobre o Código (Florestal). Estamos com problemas de sustentabilidade”.

Em nota, Minc foi classificado pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) como “desqualificado” para o cargo e acusado de busca o confronto com o setor rural. “Ofensas e palavrões são intoleráveis”, disse a CNA.

Minc defendeu sua gestão ao lembrar que está concluindo processos de interesse do governo, como a licença ambiental para as usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira (RO). Mas disse que, em outros pedidos, só agiria se fosse obrigado pelo governo, como no caso da licença para a BR-319. O ministro alertou Lula sobre os riscos da licença.

“Licenciar uma estrada como esta já era um desastre ecológico de grandes dimensões. Ainda mais licenciar com algo a menos do que a própria resolução diz, que era o mínimo de condições para garantir que ela não representasse uma destruição da parte mais preservada da Amazônia”.

Minc reconheceu que, se as pressões do Executivo continuarem, acabará cedendo, mesmo que a contragosto. “Não sou favorável a essa estrada, mas licenciaria por determinação do governo, sabendo o custo altíssimo que eu iria pagar por isso. Mas uma coisa é licenciar com todas as condições prévias. Tem que estar demarcado, tem que ter casinha, tem que ter Exército, vigilância. Outra, é licenciar sem essas condições”, disse. E ressaltou as pressões do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e do Ministério dos Transportes no tema.

Ao ensaiar um recuo, o ministro também voltou a despertar polêmica com os ruralistas. Disse não xingaria ninguém porque defende um debate político das questões. “Esse destempero (dos ruralistas) é truculento. Não vou entrar nessa polêmica, não ofendi ninguém e não ofenderei ninguém. Cada um, quando expressa suas opiniões, atesta também qualidade do seu nível. E eu não vou baixar o nível”.

A declaração de Minc repercutiu no gabinete do ministro da Coordenação Política, José Múcio Monteiro. Sua sala foi tomada por parlamentares que reclamavam de Minc. “Tem uma desafinação neste samba aí. Temos que ver quem disse o quê”, disse Múcio. Nenhum outro ministro manifestou-se sobre o episódio.
(Paulo de Tarso Lyra; colaborou Mauro Zanatta)
(Valor Econômico, 29/5)

Lula ouve reclamações, mas faz cobranças

Dizendo-se enfraquecido por “uma sucessão de pancadarias do próprio partido, o PT, do governo, de ambientalistas e de ruralistas”, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, procurou ontem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se queixar das agruras que vem enfrentando nos últimos meses. Lula o consolou, mas aproveitou para fazer mais cobranças: “E a licença para a Usina de Jirau?”, indagou Lula, que durante viagem ao Oriente Médio soube que as obras da usina, no Rio Madeira, estavam paradas por falta da licença de instalação. Jirau é uma das principais vitrines do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

“Presidente, já está tudo resolvido. O prefeito (de Porto Velho, o petista Roberto Sobrinho) já assinou; o Ibama também. Agora, só falta o governador (Ivo Cassol, sem partido)”, respondeu Minc. Cassol enfrenta problemas com o Judiciário e foi, por medida cautelar, afastado por 90 dias do governo do Estado.

Ontem, logo depois das cobranças, Minc disse a Lula: “Presidente, do jeito que as coisas vão, eu estou muito enfraquecido. E, sem sustentação política no ministério, eu fico numa situação difícil, e com isso até as licenças saem menos”.

Por causa desse tipo de conversa entre Lula e Minc, já havia se instalado ontem nos bastidores do governo a percepção de que o ministro, que será candidato a deputado estadual no ano que vem, está preparando a saída. O encontro entre os dois durou 45 minutos e ocorreu logo depois de um café da manhã à base de produtos orgânicos, no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), onde Lula despacha atualmente.

Minc, no entanto, negou que tenha feito qualquer gesto no sentido de pedir demissão. “Eu realmente me queixei da falta de apoio de meu partido, do Congresso, das coisas que vêm acontecendo. Mas não pedi demissão nem insinuei que quero sair. Pelo contrário. Recebi apoio tão forte do presidente, que estou como aquele slogan do Fórum Social Mundial – ?Um novo mundo é possível?. No meu caso, depois da conversa com o presidente, posso dizer: ?Um novo Minc é possível”.

Informações de bastidores no governo apontam para uma radicalização “pensada” do ministro, como parte de um plano para deixar a pasta e se apresentar como vítima de um movimento articulado para derrubá-lo. De acordo com essas informações, o ministro teme carregar em seu currículo críticas dos próprios ambientalistas, segundo as quais teria cedido demais às imposições do agronegócio e dos ruralistas.

Minc, de fato, mudou o tipo de política ambiental do governo Lula, tocada durante cinco anos por Marina Silva. Deixou de dizer “não” para tudo, como Marina, para negociar o possível. Mostrou-se um potencial negociador. E, nessa condição, acabou recebendo críticas de todos os lados, principalmente de ambientalistas, que o acusaram de ceder aos chamados “inimigos” do meio ambiente.

Nos últimos meses, Minc acabou por receber uma sobrecarga dentro e fora do governo. O deputado petista José Nobre Guimarães (CE) juntou-se à direção do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e apresentou emenda à medida provisória que cria o Fundo Soberano para liberar as obras de rodovias federais das licenças prévias do Ibama. Isso ocorreu no momento em que, por causa da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, há uma forte guerra entre ambientalistas e o DNIT. Este quer fazer a rodovia o mais rapidamente possível; aqueles afirmam que os prejuízos ambientais serão irreparáveis se a rodovia for feita sem que cuidados extremos sejam tomados.

Minc queixou-se ainda a Lula de que está sendo pressionado a assinar autorização para que seja plantada cana-de-açúcar no Pantanal. Disse a Lula que não vai assinar nada neste sentido, porque será a morte do etanol brasileiro. “Até o pessoal da União dos Canavieiros (Única) pediu para eu não assinar, porque vai atrapalhar a exportação do álcool do Brasil.”

Segundo Minc, Lula lhe deu apoio nessa questão, assim como na decisão de não construir por agora nenhuma hidrelétrica no Rio Araguaia. “Já temos a Usina de Belo Monte (no Rio Xingu), inúmeras no Rio Tocantins. Então, é melhor deixar o Araguaia preservado”, disse o ministro a Lula. O presidente, que gosta de pescar no Araguaia, concordou.

Outro ponto das queixas de Minc a Lula foi em relação à pressão que vem sofrendo por causa da exigência de que as usinas termoelétricas compensem a emissão de gás carbônico com a plantação de milhões de árvores. “Concordo. Por mim, essas termoelétricas não deveriam nem ter sido instaladas. Mas o problema é que não temos as hidrelétricas necessárias”, respondeu o presidente. “Mas pode exigir a plantação das árvores.”

Minc pediu ainda ao presidente que receba representantes da agricultura familiar. “O senhor recebeu a Kátia Abreu (senadora do DEM e presidente da CNA). Fale também com o povo da agricultura familiar.” Lula prometeu que vai recebê-los dentro de 25 dias.
(João Domingos)
(O Estado de SP, 29/5)

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